1 de fev. de 2009

instantâneo número 8

Saiu levando consigo. Não levava adiante, nem de arrasto. Sendo exato, levava dentro da bolsa e na cabeça. Na bolsa mais de um, na cabeça mais de um, e do que havia na bolsa, parte em papel, parte na memória digital da máquina fotográfica, e em conexão com a memória sináptica da cabeça, onde cabem instantâneos de verão.

Ainda que seja uma revisita. Ou ainda que seja reportar-se a um texto já escrito. Ou ainda que seja escrever por cima, nas entrelinhas, à margem de um texto já escrito. Ou ainda que seja a fotografia do desenho da máquina onde um fazedor de instantâneos um dia registrou a música de um outro fazedor de instantâneos.

josé menna, sobre um desenho de luciano mello
da série instantâneos de verão, janeiro de 2009

instantâneo número 7

O dia hoje foi de um longo percurso desde a percepção de algo, passando pela percepção de que algo era um desejo, pelo vislumbre do desejo, possível candidato para o algo, pela realização desse desejo e a consciência do erro - algo permanecia insaciado - até chegar à percepção nítida de que desejo, exatamente e afinal, caberia em algo, e tomar as providências que culminariam na sua realização.
Beber cerveja escura em um bar, mesas na calçada, lâmpadas cor de verde.
No caminho até ali presenciei instantes de conversas, que transcrevo:
"... a pista é tipo free-way...";
"... talvez ele não tenha gostado por uma questão puramente machista...";
"... mas o Bruno com certeza levou pra casa da namorada...";
"... era uma coisa tão freqüente que quando anunciava 'marido mata mulher' a gente se olhava e dizia 'Minas Gerais'...".
Instantâneos de verão. E havia como que uma arborescência na justaposição de meu trânsito (de algo à cerveja escura no bar cor de verde) àquelas fotografias, àquelas transversais extraídas de pessoas em seus próprios movimentos, pessoas para quem, certamente, era eu um instantâneo.
josé menna
da série instantâneos de verão, janeiro de 2009

26 de jan. de 2009

instantâneo número 6

A primeira noite livre, e de posse da rua, processa um caminhão e a morte do tio-avô. A casa pousava de luto. O caminhão portou a notícia. As vozes ouviam, decidiam, lamuriavam. A criança deu com o portão, foi pro escuro, lotou o caminhão, desceu a rua. As vozes ouviam, decidiam, lamuriavam. E os passos da criança a tomar mundo, a acordar com a noite.

zana fernandes
da série intantâneos de verão, janeiro de 2009

24 de jan. de 2009

instantâneo número 5


Toda criança tem, ou já teve, uma venda. Seu João tinha a sua. Vendia paçocas de amendoim, quinze centavos cada uma, dez por um cruzeiro. Dona Maria, sempre cansada, não podia com tanta meninada.
- Atende você, moça, pode vir aqui, vê o que eles querem. Vai, faz a soma, junta o dinheiro, moça, pega o troco.
A meninada e a moça se iam, e dona Maria continuava ali, sentada, sempre cansada. Seu João, com um cruzeiro e seis anos, não comprava paçoca, mas pirulito do Zorro. Quando virou dono de venda, seu João atendia a meninada, e o avô. Tinha doces, balas, conhaques, Presidente, cabelo puidinho aqui embaixo.

zé & zana
da série intantâneos de verão, janeiro de 2009