26 de jan. de 2009

instantâneo número 6

A primeira noite livre, e de posse da rua, processa um caminhão e a morte do tio-avô. A casa pousava de luto. O caminhão portou a notícia. As vozes ouviam, decidiam, lamuriavam. A criança deu com o portão, foi pro escuro, lotou o caminhão, desceu a rua. As vozes ouviam, decidiam, lamuriavam. E os passos da criança a tomar mundo, a acordar com a noite.

zana fernandes
da série intantâneos de verão, janeiro de 2009

24 de jan. de 2009

instantâneo número 5


Toda criança tem, ou já teve, uma venda. Seu João tinha a sua. Vendia paçocas de amendoim, quinze centavos cada uma, dez por um cruzeiro. Dona Maria, sempre cansada, não podia com tanta meninada.
- Atende você, moça, pode vir aqui, vê o que eles querem. Vai, faz a soma, junta o dinheiro, moça, pega o troco.
A meninada e a moça se iam, e dona Maria continuava ali, sentada, sempre cansada. Seu João, com um cruzeiro e seis anos, não comprava paçoca, mas pirulito do Zorro. Quando virou dono de venda, seu João atendia a meninada, e o avô. Tinha doces, balas, conhaques, Presidente, cabelo puidinho aqui embaixo.

zé & zana
da série intantâneos de verão, janeiro de 2009

7 de jan. de 2009

balaio de notícias - saudação

saudação é a penúltima composição da dupla zé e zana. uma gravação artesanal está disponível em http://zemenna.arteblog.com.br/119055/saudacao/

saudação

pra bota oio nessa porta um oiero

pra rua ir se aquebrantando

do mau oiado

do oio de verme

oio de benze com arruda

oio de benze chero de arruda

eparrei iansã

patakori, ogum iye

zé e zana, janeiro de 2009


instantâneo número 4


fotografia zé menna, achado tato ribeiro e giuliana bruno
da série instantâneos de verão, janeiro de 2009

instantâneo número 3

O dia, hoje, acordou frio, frio e silencioso. Domingo. Primeiro domingo do ano. O frio do sul é surpreendente e capaz de aparecer a qualquer hora. Gosto disso. Por volta das 7:30 acordei de frio e nem o cobertor esquentou. Arrumei a casa, atualizei-me no myspace e pensei que não era dia para um instantâneo de verão. Fiquei no sol do quarto lendo. E lendo peguei o encarte do dvd Phono 73 (recomendo!). Alí, uma entrevista feita pelo Tarik de Souza (aquele que disse que o meu disco é bom), com Antonio Midani falando sobre o evento, dizendo que o Caetano queria provocar e se nutria da provocação que fazia, sem medo de ser vaiado. Deu saudade de um tempo onde isso acontecia e eu bebia os frutos disso tudo pelo som do rádio que sobrava no quintal da casa da vó. Os tempos eram pesados, mas não creio que menos pesados do que os dias de hoje. Maio de 2008 que não serviu nem pra lembrar de maio de 68 (lembrei do The dreamers do Bertolucci - magnífico, genial-). E hoje? Quem grita no lugar de Caetano? O que temos gritando (merda) é o Lobão, uma tentativa frustrada e triste de Caetano Veloso. Lobão é mau cantor, mau músico, mau letrista, um babaca! Esse cara nos representa? Que medo!

Hoje deu saudade de tudo: do Caetano, da Gal, da Bethânia, do Sampaio, da Elis e sobretudo deu saudade do Brasil, com os cheiros domingueiros que ainda rolam na cama e em você.


luciano mello
da série instantâneos de verão, janeiro de 2009
www.lucianomello.com.br
www.myspace.com/lucianobmello
www.reverbnation.com/lucianomello

pé de bebedouro

quem chega antes
e sempre na hora
não precisa de calma

sabe do mundo
respeita os povos
faz um banquete, convida o povo

todo mundo
respeita o banquete
se convida a chegar sempre
antes da hora
o povo

partem satisfeitos os olhos
o outro povo
banquete/convida/mundo
calma faz fila

3 de jan. de 2009

instantâneo número 2

Desde pequena falava escondida. Seu primeiro interlocutor foi Dulôco, o primeiro amigo imaginário. Depois Gika e Cuiacuia. Na primeira série conversava com a mãe enquanto a tia explicava o nome dos rios que a cidade tinha. Na puberdade um pouco de timidez disfarçada com sexo e beijos de língua, e conversas rezando antes de dormir. Depois o primeiro namoro sério, a primeira transa com mulher e o cursinho pré-vestibular. E conversas num diário, com balõezinhos vermelhos na capa. Depois o computador, o mundo dos chats, blogs e flogs. Atualmente tem 26 anos e se autodenomina Frígia em sua personal homepage. Tem computadores em rede no quarto. É uma bela mulher e tem areia no pescoço.

josé menna
da série instantâneos de verão, janeiro de 2009

instantâneo número 1

A franja que atrapalha é o cabelo que cai na cara. Talvez me proteja do sol, talvez me bronzeie a metade da cara. Pretendo que a cara continue pálida esmaecida durante todo o verão. O verão me queima mais do que devia, e não é só sol que me queima. Queimam-me as lembranças. As de que tudo ficaria bem e que um dia teríamos um verão feliz numa bela casa à beira mar. A questão é que nunca gostei de mar. Pensei gostar, mas nunca gostei. O mar e seu sargaço me cansaram antes mesmo que eu pulasse a primeira onda, nem fiz pedido. Não quis. Desejei-me longe do mar e nunca fui atendido. O mar invadiu tudo o que não devia, mas nunca levou a casa à beira mar que nunca tive, essa apareceu em cada pesadelo de início de verão, em cada vontade de estar longe de tudo o que fosse mar. Também as dunas que engoliam tudo nunca soterraram a casa que soube desviar-se de tudo, menos de mim. Desde então fugi, mas por mais que eu ande, sempre encontro mar e verão, e de mar e verão não gosto. Então, deixo a franja atrapalhar a cara pra ver se vejo menos, pra ver se sol não bate, mas sol, às vezes vem de dentro, vem e queima, sol às vezes é bom, mas só sol quando for inverno.


luciano mello
da série instantâneos de verão, dezembro de 2008
www.lucianomello.com.br
www.myspace.com/lucianobmello
www.reverbnation.com/lucianomello

2 de jan. de 2009

rave no elevador


Depois de descer o décimo sétimo andar, pensei: como seria uma instalação no elevador?

Primeiro pensei na floricultura, depois, nos sons de elevador caindo. Pensei em música agradável e sons de medo. Clichê demais.

Pensamos na chapa de distorção: tapar o espelho com outro espelho. As pessoas se veriam gordas, ou altas, ou magras, ou erotizadas, ou erotizadas?

Só depois pensei na rave: iluminação velada, gelo seco e luzes de bicicleta piscando. Depois me falaram que luzes estrobo seria melhor: elas estão por toda a praça. Teríamos um dj, um dj ascensor. Pensamos também em uma cama no banheiro, mas isso não seria no elevador. Depois, poemas, poemas falados, poemas no elevador em ascensão: insights relâmpagos, palavras ligeiras, frases corredias, poemas em gotas.

Imagem de pais idealizados

-Destruída-

Sabor de leite da infância

-Condensado-

Condições financeiras atuais

-Em avançado estado de decomposição-

Solidão que toca

-contínua-

Ambiente interno

-Em ascensão-


Patrick Tedesco

(transcrito em 14 de dezembro de 2008)

patricktedesco@gmail.com