3 de jan. de 2009

instantâneo número 1

A franja que atrapalha é o cabelo que cai na cara. Talvez me proteja do sol, talvez me bronzeie a metade da cara. Pretendo que a cara continue pálida esmaecida durante todo o verão. O verão me queima mais do que devia, e não é só sol que me queima. Queimam-me as lembranças. As de que tudo ficaria bem e que um dia teríamos um verão feliz numa bela casa à beira mar. A questão é que nunca gostei de mar. Pensei gostar, mas nunca gostei. O mar e seu sargaço me cansaram antes mesmo que eu pulasse a primeira onda, nem fiz pedido. Não quis. Desejei-me longe do mar e nunca fui atendido. O mar invadiu tudo o que não devia, mas nunca levou a casa à beira mar que nunca tive, essa apareceu em cada pesadelo de início de verão, em cada vontade de estar longe de tudo o que fosse mar. Também as dunas que engoliam tudo nunca soterraram a casa que soube desviar-se de tudo, menos de mim. Desde então fugi, mas por mais que eu ande, sempre encontro mar e verão, e de mar e verão não gosto. Então, deixo a franja atrapalhar a cara pra ver se vejo menos, pra ver se sol não bate, mas sol, às vezes vem de dentro, vem e queima, sol às vezes é bom, mas só sol quando for inverno.


luciano mello
da série instantâneos de verão, dezembro de 2008
www.lucianomello.com.br
www.myspace.com/lucianobmello
www.reverbnation.com/lucianomello

Nenhum comentário: